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hope your road is a long one,
full of adventure, full of discovery. From: Ithaka (Konstantinos Kaváfis)


terça-feira, 9 de maio de 2023

VIAGEM A PORTUGAL - Cabo Espichel / Santuário de Nossa Sa. Do Cabo

Pegadas de dinossauro descobertas no século XIII por um pescador nas encostas calcáreas do Cabo Espichel originaram a lenda de que seriam pegadas de uma mula gigante que transportou Nossa Senhora.
Também contam as histórias antigas que em meados do século XIV dois velhos pescadores, após uma revelação premonitória, encontraram uma imagem da Virgem no extremo do promontório que forma o “cabo”, dando origem ao culto de Nossa Senhora da Pedra da Mua.
Por conta do culto foi erigida primeiro uma “ermida” e logo após, no século XVIII, a igreja. Com a vinda dos peregrinos e a necessidade de abrigá-los surgiu a “hospedaria”, formando um austero conjunto arquitetônico chamado de “Santuário da Senhora do Cabo”.
Estas construções – desabrigadas, expostas às intempéries, em precário estado de conservação – são pouco visitadas e dão ao local um certo ar de abandono, que combina com o isolamento sugerido pelo farol localizado na extremidade Sul do cabo.
A vista ampla do mar que se descortina deste ponto privilegiado, as ondas quebrando contra as encostas íngremes dos claros penedos, o verde rasteiro da vegetação que cobre toda a extensão do cabo só quebrado de quando-em-quando pelas manchas amarelas das primeiras flores da primavera, formam uma bela moldura para as construções do Espichel, colando esta imagem de forma permanente na memória de quem o visita.
Este local desolado e o vasto mar à sua frente remetem à grande aventura portuguesa dos descobrimentos: a ousadia em desafiar o desconhecido, a inquietude que leva a ampliar os horizontes e o destemor para enfrentar as vicissitudes da natureza com poucos e frágeis recursos, foram estes os combustíveis que impulsionaram os navegadores em busca de novas rotas e terras.
Com estes pensamentos, ou com mais prosaicos de simples viajante, continuei a explorar as construções do santuário. Uma parada na “Ermida da Memória”, construção medieval com uma esquisita cúpula em forma de bulbo de nítida inspiração moura, erigida no exato local em que, segundo reza a lenda, teria sido encontrada a imagem de Nossa Senhora.
Da igreja, que data do início do Século XVIII, a lembrança guardada é a da singeleza da fachada de arquitetura popular, ladeada pelas extensas construções das “Hospedarias” que abrigavam os “Círios” grupos de peregrinos que organizavam e patrocinavam romarias anuais ao Santuário. O “Cruzeiro”, dramaticamente erigido na entrada do terreno sacro, anuncia aos mares e à terra que lá é território de fé cristão.
Assim escreveu Saramago sobre o local: “Confessa o viajante que o Santuário da Senhora do Cabo lhe diz muito ao coração. Os dois longos corpos das hospedarias, as arcadas simples, toda esta simplicidade rústica, rural, tocam-no mais fundamente do que as grandes máquinas de peregrinação que no País existem. Hoje pouca gente aqui vem. Ou a Senhora do Cabo deixou de ser milagrosa, ou as preferências dos peregrinos foram desviadas para mais rendosas paragens. Assim passam as glórias do mundo, ou, para usar o latim que sempre dá outro peso à conversa, sic transit gloria mundi; no século XVIII vinha aqui um mar de peregrinos, hoje é o que se vê, o grande terreiro deserto, ninguém à sombra destes arcos. E, no entanto, só pela beleza disto, vale a pena vir em romaria. Mas não faltam na igreja outros motivos de interesse: mármores da Arrábida, pinturas, esculturas e boa talha”.
Repentinamente o tempo abriu, hora de seguir. Como uma benção o que era cinza transformou-se em azul, sinal de bom augúrio para a peregrinação que se iniciava. O caminho até a praia de Sesimbra foi muito agradável. Belo início de uma jornada que prometia ser memorável.

sexta-feira, 28 de abril de 2023

VIAGEM A PORTUGAL - A Partida.

“- Estou procurando um livro grosso de capa azul que costumava ficar na parte de baixo da estante de literatura estrangeira”. Com esta indagação ao vendedor de uma habitual livraria paulistana começou minha viagem a Portugal. Já conhecia um pouco do Algarve e do Alentejo, mas nada do Norte e Centro. “Viagem a Portugal” do Saramago só fez aguçar a minha vontade de andar pelo Douro, Beira e Trás-os-Montes.
Durante um período especialmente turbulento da minha vida este grosso volume de capa azul – nada prático para a leitura, menos ainda como companheiro de andanças – foi meu remédio noturno. Fazer uma viagem imaginária com tal guia foi um deleite. Quanto mais avançava na leitura, mais sentia-me confortado e confiante. As doses homeopáticas deste elixir apaziguavam minhas angústias e tristezas e trouxeram a certeza de que, em algum tempo, teria que realizar a “minha viagem” a Portugal.
Acompanhar Saramago em sua peregrinação não foi um exercício fácil, requereu certa dose de disciplina na leitura e um bom mapa. Contextualizar os escritos e localizá-los na geografia ajudou a montar um roteiro de interesses, depois foi só unir os pontos através das estradas mais aprazíveis e desafiadoras.
As ambições das viagens foram muito diferentes, e não só pelas épocas e circunstâncias distintas em que ocorreram. A de Saramago foi retratar Portugal sob a ótica de um artista a este tempo já renomado, colocando lá toda sua sensibilidade literária. A minha, incomparavelmente mais modesta, foi provar as sensações que uma curta viagem solitária pode despertar: de liberdade, ao rodar livremente por belas estradas interioranas; de prazer sensorial, com as comidas e bebidas típicas; de camaradagem, pelos encontros inusitados e trocas de experiências com outros viajantes e com os locais; de pertencimento, ao circular por vilas e comunas com tanta identificação com nossa história; de deslumbramento, pelas construções, monumentos e paisagens singulares; de descoberta, pela oportunidade do achado literário chamado Miguel Torga; e, finalmente, de reverência ao grande navegador das letras portuguesas José Saramago.
Lisboa estava cinzenta neste final de manhã de abril. Uma persistente garoa incomodava o deslocamento e encontrar o acesso para a ponte 25 de Abril - que cruza o Tejo – sem a providencial orientação de um GPS foi um pouco confuso.
Ainda tentando me acostumar com as parafernálias eletrônicas da motocicleta, que muitas vezes tiram o prazer da pilotagem, rodei alguns quilômetros na direção Sul pela A2 até localizar o entroncamento com a estrada provincial e a indicação para o “Cabo Espichel”. Estes primeiros quilômetros com a pista molhada não foram exatamente prazerosos. Uma leve tensão – típica do primeiro contato com a nova máquina – provocou certa rigidez nos movimentos, exigindo cuidados redobrados na pilotagem. Aos poucos a condução foi ficando mais relaxada e, antes de cumprir metade do percurso até o Espichel, já estava quase íntimo da motocicleta.
O caminho se desenvolveu cruzando pequenas vilas de pescadores, todas muito rústicas e mais que centenárias, até chegar ao promontório onde se localiza o Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel. Os últimos quilômetros foram percorridos em estrada de areião, bem consolidada e com poças de água da chuva recente, que deram um certo ar de aventura a esta peregrinação do dia.
* Fotos do "Cabo Espichel" / Santuário de Nossa Senhora do Cabo.

terça-feira, 14 de julho de 2020

Arequipa e Colca Canyon em 2002, logo após o Pentacampeonato de Futebol.



Este texto foi encaminhado para amigos por e-mail em julho de 2002, no dia seguinte à vitória da Seleção Brasileira de Futebol sobre a Seleção Alemã.


Oi pentacampeões !!!

Hoje pela manha ainda deu tempo de assistir um pouco a chegada da seleção em Brasília (temos duas horas de fuso horário a menos do que o Brasil), antes de partirmos para Nasca (aquela cidade onde tem desenhos gigantes no solo desértico, que já foram creditados a visitantes do espaço... Lembraram???).

Ontem tivemos um dia bastante agitado: primeiro  compramos os jornais de Arequipa com as nossas fotos e entrevista para levarmos ao Brasil; depois nos encontramos com um casal (ela brasileira, ele belga - mas quase naturalizado) que estava morando no Brasil até a semana passada e partiram para uma viagem de dois meses pela América do Sul. Juntos, em dois jipes, fomos visitar o "Colca" Canyon. 
Saímos da cidade de Arequipa com alguma dificuldade, pois queríamos fazer parte do percurso por um caminho diferente do circuito turístico tradicional. É incrível como nada no Peru é sinalizado (para você encontrar uma placa de sinalização é um verdadeiro milagre). Além disso, as pessoas não conheciam a estrada que queríamos pegar. Resultado: levamos meia hora para achar a dita estrada. Mas valeu muito a pena, subimos de Arequipa para um altiplano entre dois vulcões (um dos quais é chamado "El Misti", de 5.900 m, e é um dos símbolos de Arequipa pois é visível de qualquer ponto da cidade) por esta pequena estrada que foi um verdadeiro espetáculo (só para dar uma ideia, Arequipa fica a 2.600 m e este altiplano a mais de 4.000 m). Este trecho de estrada liga Arequipa a Cañauas.
De Cañauas até Chivay (porta de entrada para visitar o Colca Canyon) passamos por um ponto que foi o mais alto atingido até aqui - 4.900 m. Neste ponto havia muito gelo nas bordas da estrada, deu até para brincar um pouco passando com o jipe por cima de algumas placas de gelo.



De Chivay começamos a bordear a margem esquerda do rio Colca, passando por cinco ou seis pequenas vilas que guardam resquícios da colonização espanhola - tem igrejas coloniais muito interessantes (pena que fechadas para visitação. Só pude fotografar a fachada de duas). A estrada está encravada em um dos platos formados pelo rio Colca. Todo o vale vem sendo usado pelos nativos desde antes da conquista Inca do local (por volta do final do século XV) para a produção de grãos e criação de animais (cabras, ovelhas, alpacas, lhamas, mulas e um pouco de gado) em patamares formados artificialmente, usando pedras para formar muros que contém o solo nestes.




O ponto culminante da visita ao Colca é um local chamado "Cruz del Condor". É o ponto mais profundo do canyon: 1.200 m de desnível entre a borda e o rio Colca. Neste local também aparecem os Condores (ao contrário do que alguns possam pensar, não são velhos com mais de 70 anos, são pássaros com mais de 2 m de envergadura que vivem em grande altitude - normalmente acima dos 3.000 m). Como chegamos a este ponto as 17:00 h, deu para ver só um pouquinho dos Condores. De qualquer forma, a luz ainda permitiu algumas fotos do local. 




Por falar em luz, fizemos um verdadeiro rallye para chegar à Cruz de Condor ainda com sol. Escurece muito cedo aqui (18:00 h)... Sei que alguns vao dizer: é inverno. Acontece que estamos viajando em direção "Oeste", seria de esperar termos um por-do-sol um pouco mais tarde...
A volta à Arequipa foi cansativa. Quando estávamos deixando a Cruz del Condor pelo caminho roteirado no GPS, resolvi perguntar a um motorista de uma companhia de turismo se o caminho que pretendíamos fazer era bom. Sorte nossa, o motorista desaconselhou e voltamos pelo mesmo caminho da vinda (ou quase, pois evitamos o primeiro trecho de montanha que tínhamos feito de manha). Realmente teria sido uma grande roubada voltar pelo caminho  planejado (aqui no Peru quando falam que as estradas são ruins, elas são MUITO RUINS. E poe muito nisso).

Hoje percorremos um grande trecho da Estrada Panamericana (asfalto, mas sem sinalização e com motoristas muito ruins). Durante quase 200 Km andamos com o Oceano Pacífico a nossa esquerda, em um cenário desértico mas muito interessante. Em alguns pontos andamos por encostas rochosas a 300 m verticais do mar. Pena que estivesse nublado o dia inteiro (quase nao vimos o sol). Faltando uns 70 Km para Nasca pegamos um nevoeiro tao intenso que chegamos a desconfiar que não houvesse sol na costa peruana.

Bom, o programa para hoje é comer bem: talvez "alpaca a la plancha" (alpaca é um dos cameloides andinos, primo da lhama. E "a la plancha" é grelhado).

Amanha cedo vamos fazer um sobrevoo das linhas de Nasca, para fotografar e filmar as figuras desenhadas no solo desértico, e depois partir para Pisco.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Sobre Vinhos e Montanhas - Aconcágua.


"Para as minhas irmãs".




O assunto do almoço era sobre vinhos, nada mais próprio a se discutir em volta de uma mesa de refeições. A pergunta era “qual o vinho da sua vida”? Bem aberta e ampla, como convém para que todos pudessem relatar as suas melhores experiências ou as suas predileções.


Tudo começou com um pequeno comentário sobre o pedantismo dos “connoisseurs” de vinhos. É muita informação, ou melhor, muita confusão de informação sobre vinhos, em uma época em que o seu consumo é estimulado e glamurizado pelo mercado, tornando o simples ato de beber e expressar a opinião sobre a bebida uma grande exercício de imaginação e de arrogância. Alguém já ouviu que um vinho tem um aroma de “pêlo molhado”? Consegue definir o que é este aroma? E o que dizer de aroma “vulcânico”? Os mais próximos vulcões ativos estão a alguns milhares de quilômetros de distância, portanto não há de se ter muita intimidade com os ditos aromas vulcânicos. No entanto estes são termos usados pelos enófilos (ou seria melhor chama-los de “enófitos”) para caracterizar os vinhos.


Mas vamos à história do “meu vinho”. Passou-se em novembro de 2000, quase na virada do Milênio, durante uma viagem pela Cordilheira dos Andes que começou no Noroeste da Argentina – Parque Provincial de Ischigualasto (também conhecido como Valle de la Luna), na Provincia de San Juan – estendendo-se por mais de 3.500 km em direção ao Sul até Ushuaia, na Terra do Fogo. Foi a minha primeira grande viagem pela Cordilheira. Estava na estrada há quase uma semana e tinha programado um “trekking” solo no Parque Provincial do Aconcágua, onde está localizada a maior montanha do Continente Americano (o pico do Aconcágua está a 6.962 msnm.).

 
Estrada na pré-cordilheira andina.


Na véspera tinha rodado próximo de 400 km, desde uma pequena cidade chamada San José de Jáchal até a entrada do Parque do Aconcágua, quase todo o trajeto em estradas de “rípio” (cascalho) pela pré-cordilheira andina. Durante este percurso tive o primeiro contato desta viagem com os Andes e me dei conta da grandeza do cenário, como diria Alain de Botton (A Arte de Viajar): “de encantamento com o sublime”. Sem condições de pernoitar próximo ao Parque, após uma primeira conversa com os Guarda-Parques para me inteirar das condições para realizar o trekking no dia seguinte, retornei 70 km até Uspallata.


Indo para o Aconcágua.

 

 


Na manhã da caminhada acordei cedo e dirigi-me novamente para a entrada do Parque. Como estava sem a permissão oficial para o trekking no Aconcágua (que deveria ser obtida na Secretaria de Meio Ambiente em Mendoza, distante quase 200 km do Parque), negociei com o Chefe dos Guardas uma autorização precária para fazer um trekking curto entre a portaria do Parque – “Laguna de Horcones” (2.800 msnm) - até o acampamento “Confluencia” (3.300 msnm). O compromisso com os Guarda-Parques era o de retornar antes das 18 horas.
 
Entrada do Parque Provincial do Aconcágua.
 

Início da caminhada.
 
 

Vencer o desnível de 500 m entre a portaria do Parque e o acampamento significou caminhar aproximadamente 7 km pelo vale do rio Horcones em quase 3 horas. Neste percurso, como era temporada de escalada no Aconcágua, cruzei com alguns montanhistas subindo e descendo dos acampamentos de altitude. Gente de todos os calibres, desde escaladores solitários com aparência e atitude de quem tem experiência – julgamento meu e totalmente subjetivo – até “Hermanos” em calça jeans e manga de camisa afirmando que fariam o pico. São estes últimos que dão muito trabalho para as equipes de resgate.

Vale do rio Hocones.

Aconcágua ao fundo.



Por volta do meio-dia cheguei ao destino programado. Um rápido lanche em meio a um papo animado com os Guarda-Parques que controlavam o fluxo de montanhistas em passagem pela “Confluencia” - dos quais ganhei um pedaço de bolo e a pergunta admirada de como tinha conseguido passar pelo controle de entrada sem o “permisso”? - estava pronto para fazer o retorno. Ainda não tinha realizado plenamente esta pequena conquista pessoal, mas continuava inebriado pela grandeza do cenário que me rodeava. Em qualquer direção que olhasse eram montanhas majestáticas dos mais variados tons de ocre, com seus picos nevados que arranhavam um céu continuamente azul e, de quando em quando, uma pequena torrente formada pelo degelo de glaciares. Assim comecei a descer.
 
No acampamento "Confluencia".
 

De volta a “Horcones” antes das 18:00h – conforme prometido aos Guarda-Parques - lembrei-me que era aniversário das minhas irmãs e ocorreu-me uma ideia, presentear-lhes com uma recordação desta pequena aventura. Sem nada poder levar além de lembranças, como diriam os ecólogos de plantão, tirei uma foto do paredão da face Sul do Aconcágua pensando em entregar-lhes no meu retorno. Esta foto sem a menor preocupação estética, assim como a sua intenção, ficou esquecida entre as minhas memórias de viagem. Chegou o momento de resgatar a foto e a intenção e celebrar as boas décadas vividas pelas duas. Parabéns irmãs.
 
Esta é a foto - face Sul do Aconcágua.
 

E onde entra o vinho nesta história? Entra para dar o fecho nesta pequena aventura. Voltei a Uspallata no fim-da-tarde corroído pela fome, com uma sensação de prazeroso cansaço pelo feito do dia e louco por um prato de comida. Perguntei para a dona da pensão onde poderia jantar. Ela sugeriu-me um restaurante de “parrilla” na Ruta 7, não muito distante de onde estava, recomendando que comentasse com o dono a sua indicação para que fosse bem tratado. Já escuro, e com a expectativa de uma comida honesta, encontrei o restaurante. Para minha decepção estava às escuras, sem nenhum sinal de que estivesse funcionando. Desci do carro para espiar pela porta e ver se encontrava algum sinal de que abriria aquela noite. Nada, estava deserto. Resignado voltava ao carro - pensando onde encontraria outro lugar para comer - quando estacionou ao meu lado um pequeno Renault 7. Deste saltou um senhor com um pequeno embrulho nas mãos e cara amistosa. Perguntei se o restaurante estava funcionando e a pronta resposta foi de que estava abrindo naquele instante. Era o dono do restaurante chegando com a carne para o jantar. Não recordo o nome desta pessoa, tampouco se chegamos a nos apresentar, mas o restaurante chamava-se “Estancia de Elías”.

Vou chama-lo de Elías então. Convidou-me a entrar e, como era o único freguês, ao invés de uma mesa indicou-me o balcão próximo à grelha de assar, que ocupava todo o centro do restaurante. Enquanto ele preparava o fogo e desembrulhava o pacote de carnes, começamos uma animada conversa sobre viagens e vinhos. Como bom “Mendocino” e “parrillero”, Elías conhecia os cortes tradicionais e os vinhos locais. Entre um pedaço de “asado de tira” e outro de “vacio”, conversamos sobre suas viagens para a Serra Gaúcha, onde foi apresentado aos vinhos brasileiros e fez amigos. Ofereceu-me um tinto da região, que sendo sincero, não lembro nem a variedade da uva nem a “bodega” produtora, lembro somente que era um vinho rústico, sem muitas sutilezas, mas com aquela honesta qualidade que deve ter todo vinho para consumo cotidiano. Ninguém mais entrou no restaurante àquela noite e o atendimento cortês não custou nenhum “Peso” extra.

O ambiente hospitaleiro, a boa conversa e a carne saborosa foram suficientes para transformar um vinho comum em uma bebida especial, que corou a minha pequena conquista no Aconcágua.
 
 

terça-feira, 17 de julho de 2012

BRASIL PENTA, COMEMORAÇÃO EM AREQUIPA!!!

O texto abaixo foi escrito em 30 de junho de 2002 e enviado como mensagem eletrônica para alguns amigos no Brasil. Relata uma passagem da viagem realizada com o meu amigo Abrahão Duquia pela Argentina, Chile, Bolívia e Peru em junho de 2002. Passados 10 anos desta viagem quero usar este texto como uma singela homenagem pelos seus 40 anos.

Vulcão Misti ao fundo - dia seguinte à vitória brasileira na Copa de 2002.


Parabéns a todos os pentacampeões de futebol.




Como disse "Andy Warhol": todo mundo tem direito aos seus quinze minutos de fama. Os meus e do Abrahão devem ter se esgotado em Arequipa (segunda maior cidade do Peru, com mais de 800.000 habitantes).



Chegamos nesta cidade por volta das 19:00 horas do sábado véspera da grande final da Copa de 2002, já com a intenção de assistir a partida entre o Brasil e a Alemanha. Acordamos cedo e torcemos muito no quarto do hotel (como tem duas horas de fuso em relação ao Brasil, o jogo começou às 6:00 horas). Depois do café, devidamente uniformizados com as camisetas da “Canarinho”, fomos dar uma volta a pé pelo centro da cidade, que é listado como “Patrimônio Mundial” pela UNESCO. No caminho paramos muitas vezes e recebemos o cumprimento dos peruanos que encontramos pela rua, todos muito alegres porque um país da América do Sul havia ganhado a Copa. Verdadeiro clima de integração Sulamericana. O auge da nossa fama foi na Plaza de Armas onde estava acontecendo uma cerimônia cívica com desfile de estudantes - calculo que haviam mais de 5.000 pessoas na praça. Os estudantes rapidamente nos identificaram como brasileiros e gritavam entusiasticamente: "Brasil! Brasil! Brasil! Nos pediam para tirar fotos. Devemos ter tirado umas 50 fotos com vários grupos (inclusive de professores). Apareceram também repórteres de jornais, que nos fotografaram e entrevistaram (foram dois jornais) para a edição de segunda-feira.



Também encontramos alguns Alemães que nos cumprimentaram e afirmaram que o Brasil mereceu ganhar (claro que mereceu, principalmente depois da falha do goleiro alemão Kahn). Este comportamento fraterno dos peruanos, que nos associaram a uma vitória da nossa Seleção de futebol, foi muito emocionante. É algo que só acontece quando você está longe do Brasil (senti-me um verdadeiro embaixador em Arequipa). Até os policiais, com toda sua pompa e cerimônia, nos cumprimentavam pela vitória.


Celebrando com os adversários (alemães) após a vitória - Arequipa / PE


Plaza de Armas - Arequipa / PE (Festa Cívica).


Vulcão Misti - Arequipa / PE - a caminho do Colca Canyon (o outro jipe é de um casal suiço que guiamos até o Colca).




Falando em viagem, na véspera da decisão no futebol tivemos outro dia igualmente excitante. Viajamos de Puno até Arequipa. O que pareciam ser meros 340 Km de estrada acabaram por reservar algumas emoções extras. Foram 140 Km de asfalto e o resto de terra em péssimas condições (não conseguiamos andar acima de 30 Km/h). Achávamos que chegaríamos em Arequipa na metade da tarde. Qual nada, chegamos somente às 19:30 horas percorrendo os últimos 80 Km à luz dos faróis.



Depois de partir de Puno fizemos um pequeno desvio de 30 Km para conhecer Sillustani. É mais um dentre os inúmeros sítios arqueológicos que existem no Peru. Trata-se de uma necrópole (local onde eram celebrados rituais religiosos e sepultamentos) do período pré-colombiano. Primeiramente os nativos do povo “Colla” ocuparam o local (1.000 A.C. à 600 anos D.C.), depois os “Incas” (por volta de 1.500 D.C.) conquistaram o local. Fica em uma península da Laguna Umayo a mais de 3.900 metros de altitude, muito próxima ao Lago Titicaca. Neste local os “Colla” construiram "chulpas" (construções cilíndricas de pedra com até 8 m de diâmetro e 12 m de altura) onde colocavam os seus mortos - geralmente pertencentes a famílias nobres - com oferendas e objetos que pertenciam aos mesmos.


Laguna Umayo


Sillustani - "Chulpa"


Sillustani



De Sillustani rumamos, ainda por asfalto, até Santa Lucía (o acento está certo, é castelhano). Aí começou o trecho de aventura, que valeu pelo cenário andino deslumbrante. Percorremos aproximadamente 150 Km acima dos 4.000 metros de altitude, chegando até os 4.750 metros, cruzando com poucos veículos na antiga rota “Juliaca – Arequipa”. No caminho poucos povoados, raríssimos sinais de civilização, muitas montanhas nevadas e diversos lagos com uma quantidade muito grande de flamingos (o último lago que passamos "Aguas Blancas" devia se chamar "Aguas Rosadas" de tantos flamingos que tinha).




A meio caminho entre Juliaca e Arequipa Arequipa (a 4.120 metros).


Nas montanhas entre Juliaca e Arequipa


Reserva Nacional Salinas - Aguadas Blancas.









Pensávamos que estávamos chegando, o GPS (sim, já existia GPS em 2002) indicava somente 30 Km até Arequipa e ainda estávamos acima dos 4.000 metros, dentro da Reserva Nacional Salinas – Aguada Blancas. Avistávamos as luzes da cidade de cima, pois Arequipa está situada em uma altitude de 2.300 metros (foi como se estivéssemos chegando de avião), rodamos, rodamos e rodamos e nada de chegar na cidade. Repentinamente começou uma descida (ainda em terra e em péssimas condições) com muitas curvas em cotovelo, abismos e túneis precarios. Após uns 80 km nestas condições de Estrada chegamos em Arequipa.



Amanhã, já devidamente recuperados da  festa brasileira, vamos visitar o canyon do Colca (a segunda maior atração natural de Arequipa depois do vulcão Misti, que é avistado de qualquer ponto da cidade).

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Saiu na Moto Adventure

    


A todos os que acompanham este "blog", saiu na edição de janeiro/2012 da Revista Moto Adventure (Edição 134) uma matéria sobre a viagem aos Alpes em 2011. Recomendo a todos que comprem a revista pois a matéria está muito boa.





A matéria começa na página 24 e vai até a página 39.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

9ª Etapa – Das “Dolomitas” para o “Adriático”: um pouco de turismo convencional.





Até “Ponte di Legno” tínhamos rodado mais de 2.400 km e estávamos chegando ao fim de nossa jornada alpina. Desde nossa partida em Milão já haviam se passado 10 dias, 6 dos quais rodados integralmente em estradas de montanha. Esta etapa final de montanhas alpinas compreendeu os mais de 200 km percorridos entre “Ponte di Legno” e “Cortina d`Ampezzo”, no coração da cadeia dos “Alpes Dolomíticos”, no Norte da Itália.

Partimos cedo do hotel em Ponte di Legno para o que estava se tornando nossa rotina nos últimos dias, cruzar passos alpinos. Quando planejamos esta viagem procuramos não exceder os 300 km rodados por dia. A princípio parece pouco para nós, acostumados a rodar até 1.000 km em um único dia em nossos deslocamentos pelo Brasil e países vizinhos. No entanto, em estradas de montanha, onde a média horária raramente passa dos 50 km/h, rodar esta distância significa de 6 à 8 h de pilotagem. Isto sem contar as paradas para fotografias e descanso.


Ponte di Legno, vista a partir do hotel (Foto: A.V.Jr.).

Neste dia batemos nosso recorde, foram 5 passos até Cortina d`Ampezzo. Pela ordem: Tonale – 1.883 m de altitude; Mendola – 1.363 m; Costalunga – 1.745 m; Pordoi – 2.239; e, Falzarego – 2.105 m. Estávamos sentindo certa nostalgia do início da viagem, manifestada através de um sentimento de tristeza com o fim das estradas de montanha que se aproximava. Mas a visão do grupo de montanhas “Dolomitas”, que começaram a aparecer logo após nossa partida, acabou instantaneamente com esta melancolia.



Estrada SS42 rumo ao "Passo del Tonale".

SS42 para o "Tonale".



Chegando ao "Passo del Tonale".


No "Passo" - 1o do dia.


Monumento aos italianos tombados na Guerra - Passo del Tonale.



Grupo das "Dolomitas" no Passo del Tonale.

As “Dolomitas” são constituídas por um conjunto de nove grupos de montanhas, localizadas em cinco Províncias no Norte da Itália, próximas à fronteira com a Áustria. Todos estes grupos tem a mesma singular conformação rochosa, com seus majestosos picos de paredes quase verticais e formas que lembram dentes. Foram declaradas “Patrimônio Natural da Humanidade” pela UNESCO em 2009. Toda a região das “Dolomitas” é muito procurada para moto-turismo, e apelo para tanto é o que não falta: estradas cênicas bem conservadas e com infindáveis curvas para agradar os pilotos; muitas vilas com excelentes opções de hospedagem que atendem a todos os bolsos; muitos programas alternativos – caminhadas, ciclismo de montanha, rafting e ski no inverno; e, a cozinha do Norte da Itália que dispensa comentários. Para todos os que pretendem andar de moto nos Alpes e querem concentrar-se em uma única região, as “Dolomitas” são a nossa indicação.


Comuna de "Fondo", a caminho do "Passo della Mendola".


2o Passo do dia - Mendola.



Entroncamento em Trento, a caminho de Cortina d`Ampezzo.


Vila nos Alpes Dolomíticos, próxima ao Passo Pordoi.


Dolomitas próximo ao Passo Pordoi - Rodovia SR48.

Passo Pordoi - Rodovia SR48.


Outra vista a partir do Passo Pordoi.



Pordoi, nosso 4o Passo do dia (não temos fotos do 3o - Passo Costalunga).


Passo Pordoi com uma amostra do Grupo Dolomitas ao fundo.


Rumo ao 5o e último Passo do dia, "Falzarego".


Grupo Dolomitas próximo ao "Passo Falzarego".



Festejando o último "Passo" da viagem - 5o do dia.


Monumento no "Passo Falzarego". Formação Dolomítica ao fundo.


Parque Regional Natural das Dolomitas d`Ampezzo.


Outro registro do mesmo local.


Esta placa é mais "natural"!!!




Maravilhados com o cenário, pilotamos prazerosamente nossas máquinas até Cortina d`Ampezzo, nossa base de pernoite e capital informal das “Dolomitas Bellunesi”. Durante o jantar de celebração da última noite nas montanhas decidimos atalhar o caminho até Veneza. Nosso plano inicial era o de seguir por estradas de montanha e fazer mais 3 passos. Mas estávamos todos bastante cansados com a semana intensa de estradas alpinas e pernoites em locais diferentes a cada final-de-dia - com todo o manejo de bagagem que isso implica - que resolvemos cometer uma heresia motociclística: tomar uma “autoestrada”. O trecho que deixamos de percorrer tinha um forte apelo emocional para 4 integrantes do grupo. Iríamos visitar a terra do nosso bisavô em Cesiomaggiore, na Província de Belluno.




Chegando em "Cortina d`Ampezzo".


A caminho de "Cortina d`Ampezzo".


Sol brilhando forte nas montanhas!!!


Cortina d`Ampezzo.


Elas estavam felizes. Prontas para as compras...


Último jantar nos Alpes...


Partindo para Veneza pela "Autoestrada"...

Quase em Veneza...

Cruzando a "Ponte Della Libertá" na chegada em Veneza.



A decisão comprovou-se acertada e chegamos cedo em Veneza. Tomamos um “ferry-boat” para a ilha do “Lido”, logo em frente à Veneza, onde nos hospedamos. A tarde foi inteiramente dedicada à exploração desta cidade única, com todos os seus encantos – canais, museus, igrejas e palacetes - e transtornos – excesso de turistas, mau-humor dos gondoleiros, preços extorsivos, etc. Veneza marcou o início da nossa fase de turistas convencionais, que duraria somente dois dias.



Chegando ao "Tronchetto".


No "Tronchetto" aguardando o "Ferry-boat" para "Lido di Venezia".


Motos embarcadas no "ferry-boat" para "Lido" (travessia de 30 minutos).


Hotel Riviera - Lido di Venezia.


Manobrando em frente ao Hotel - Lido di Venezia.


Por-do-sol em "Lido di Venezia".


Praça de São Marcos - Veneza (Vista a partir do "Canale della Giudecca").


Gondoleiros (amigos???), próximo à Praça de São Marcos...


Canal Grande - Veneza.

"Dorsoduro" - Veneza.



Palacetes em "Dorsoduro" - Veneza.



Palacetes em "Dorsoduro" - Veneza.


A viagem estava terminando. Logo voltaríamos às nossas rotinas. Com este sentimento partimos de Veneza na manhã seguinte.




Hora de arrumar a bagagem...



Aguardando para embarcar no "ferry" (partindo de Lido di Venezia).


Outra foto com + "zoom".



Adeus à "Lido di Venezia".


Caras tristes com a proximidade do fim da viagem...


Pouco mais de uma centena de quilômetros separam Veneza de Verona, que foram vencidos rapidamente. Estávamos lá para assistir um espetáculo do Festival de Ópera de Verona, que este ano completou 89 edições, em mais uma prova de que não é só “rock-and-roll” que toca o coração dos motociclistas. Este Festival é um evento internacional que acontece todos os anos, começando no final da primavera e durando todo o verão europeu. É frequentado por espectadores do mundo inteiro e representa para a música clássica o que os grandes festivais internacionais de “Rock” representam para a música “Pop”. E tem um atrativo adicional, as apresentações acontecem na “Arena de Verona” - um anfiteatro romano construído provavelmente no Século I DC. Conferimos as principais atrações da cidade, assistimos a “La Traviata” e no dia seguinte partimos para os últimos quilômetros desta viagem.


Deslocamento para "Verona".



"Castelvecchio" (Castelo Velho), construído pela Família "Scala" entre 1354 e 1356 - Verona.


Olha só a animação no "Castelvecchio" (atenção ...1,2, 3 e ... virar...)!!!


Castelvecchio.


Balcão na casa de "Julieta" (Casa da Família "Capuleto").


Estátua de "Dante" na "Piazza dei Signori" (Dante viveu em Verona entre 1312 e 1318).


Arena de Verona.


Amigos em frente à Arena, pouco antes do início do espetáculo.


Público aguardando o início da "La Traviata".



Intervalo da ópera.


Uma taça de "Prosecco" no intervalo...muito chique!!!



É nesta hora que bate uma vontade de começar tudo de novo, adiar o retorno e seguir em frente. Toda a viagem passou em nossas mentes em imagens instantâneas. Recordamos das estradas, das paisagens, dos cheiros e das pessoas de uma forma que só uma viagem de motocicleta proporciona. Refletimos sobre episódios da viagem e ficamos satisfeitos com as manifestações mútuas de camaradagem, tolerância, paciência e, principalmente, bom-humor. Lembramos da importância da companhia das nossas esposas nesta viagem, que bravamente resistiram a todos estes quilômetros em nossas garupas, e do prazer que é poder dividir com elas esta experiência única. Envoltos nestes pensamentos chegamos a Milão, a tempo de devolver as motos e pegar o voo de volta ao Brasil.

É pessoal, acabou...

Melancólicos esperando o voo de retorno ao Brasil.
 
 


A TODOS QUE DESEJAREM ACOMPANHAR O RELATO COMPLETO, SUGIRO COMEÇAR PELO POST DE 28/06/11 - "MISSÃO CUMPRIDA" - QUE TRAZ UM MAPA DO TRAJETO. OS DEMAIS POST RELATAM A VIAGEM ETAPA-POR-ETAPA. "BOA VIAGEM" A TODOS.