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hope your road is a long one,
full of adventure, full of discovery. From: Ithaka (Konstantinos Kaváfis)


terça-feira, 9 de maio de 2023

VIAGEM A PORTUGAL - Cabo Espichel / Santuário de Nossa Sa. Do Cabo

Pegadas de dinossauro descobertas no século XIII por um pescador nas encostas calcáreas do Cabo Espichel originaram a lenda de que seriam pegadas de uma mula gigante que transportou Nossa Senhora.
Também contam as histórias antigas que em meados do século XIV dois velhos pescadores, após uma revelação premonitória, encontraram uma imagem da Virgem no extremo do promontório que forma o “cabo”, dando origem ao culto de Nossa Senhora da Pedra da Mua.
Por conta do culto foi erigida primeiro uma “ermida” e logo após, no século XVIII, a igreja. Com a vinda dos peregrinos e a necessidade de abrigá-los surgiu a “hospedaria”, formando um austero conjunto arquitetônico chamado de “Santuário da Senhora do Cabo”.
Estas construções – desabrigadas, expostas às intempéries, em precário estado de conservação – são pouco visitadas e dão ao local um certo ar de abandono, que combina com o isolamento sugerido pelo farol localizado na extremidade Sul do cabo.
A vista ampla do mar que se descortina deste ponto privilegiado, as ondas quebrando contra as encostas íngremes dos claros penedos, o verde rasteiro da vegetação que cobre toda a extensão do cabo só quebrado de quando-em-quando pelas manchas amarelas das primeiras flores da primavera, formam uma bela moldura para as construções do Espichel, colando esta imagem de forma permanente na memória de quem o visita.
Este local desolado e o vasto mar à sua frente remetem à grande aventura portuguesa dos descobrimentos: a ousadia em desafiar o desconhecido, a inquietude que leva a ampliar os horizontes e o destemor para enfrentar as vicissitudes da natureza com poucos e frágeis recursos, foram estes os combustíveis que impulsionaram os navegadores em busca de novas rotas e terras.
Com estes pensamentos, ou com mais prosaicos de simples viajante, continuei a explorar as construções do santuário. Uma parada na “Ermida da Memória”, construção medieval com uma esquisita cúpula em forma de bulbo de nítida inspiração moura, erigida no exato local em que, segundo reza a lenda, teria sido encontrada a imagem de Nossa Senhora.
Da igreja, que data do início do Século XVIII, a lembrança guardada é a da singeleza da fachada de arquitetura popular, ladeada pelas extensas construções das “Hospedarias” que abrigavam os “Círios” grupos de peregrinos que organizavam e patrocinavam romarias anuais ao Santuário. O “Cruzeiro”, dramaticamente erigido na entrada do terreno sacro, anuncia aos mares e à terra que lá é território de fé cristão.
Assim escreveu Saramago sobre o local: “Confessa o viajante que o Santuário da Senhora do Cabo lhe diz muito ao coração. Os dois longos corpos das hospedarias, as arcadas simples, toda esta simplicidade rústica, rural, tocam-no mais fundamente do que as grandes máquinas de peregrinação que no País existem. Hoje pouca gente aqui vem. Ou a Senhora do Cabo deixou de ser milagrosa, ou as preferências dos peregrinos foram desviadas para mais rendosas paragens. Assim passam as glórias do mundo, ou, para usar o latim que sempre dá outro peso à conversa, sic transit gloria mundi; no século XVIII vinha aqui um mar de peregrinos, hoje é o que se vê, o grande terreiro deserto, ninguém à sombra destes arcos. E, no entanto, só pela beleza disto, vale a pena vir em romaria. Mas não faltam na igreja outros motivos de interesse: mármores da Arrábida, pinturas, esculturas e boa talha”.
Repentinamente o tempo abriu, hora de seguir. Como uma benção o que era cinza transformou-se em azul, sinal de bom augúrio para a peregrinação que se iniciava. O caminho até a praia de Sesimbra foi muito agradável. Belo início de uma jornada que prometia ser memorável.

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