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hope your road is a long one,
full of adventure, full of discovery. From: Ithaka (Konstantinos Kaváfis)
hope your road is a long one,
full of adventure, full of discovery. From: Ithaka (Konstantinos Kaváfis)
sexta-feira, 28 de abril de 2023
VIAGEM A PORTUGAL - A Partida.
“- Estou procurando um livro grosso de capa azul que costumava ficar na parte de baixo da estante de literatura estrangeira”. Com esta indagação ao vendedor de uma habitual livraria paulistana começou minha viagem a Portugal. Já conhecia um pouco do Algarve e do Alentejo, mas nada do Norte e Centro. “Viagem a Portugal” do Saramago só fez aguçar a minha vontade de andar pelo Douro, Beira e Trás-os-Montes.
Durante um período especialmente turbulento da minha vida este grosso volume de capa azul – nada prático para a leitura, menos ainda como companheiro de andanças – foi meu remédio noturno. Fazer uma viagem imaginária com tal guia foi um deleite. Quanto mais avançava na leitura, mais sentia-me confortado e confiante. As doses homeopáticas deste elixir apaziguavam minhas angústias e tristezas e trouxeram a certeza de que, em algum tempo, teria que realizar a “minha viagem” a Portugal.
Acompanhar Saramago em sua peregrinação não foi um exercício fácil, requereu certa dose de disciplina na leitura e um bom mapa. Contextualizar os escritos e localizá-los na geografia ajudou a montar um roteiro de interesses, depois foi só unir os pontos através das estradas mais aprazíveis e desafiadoras.
As ambições das viagens foram muito diferentes, e não só pelas épocas e circunstâncias distintas em que ocorreram. A de Saramago foi retratar Portugal sob a ótica de um artista a este tempo já renomado, colocando lá toda sua sensibilidade literária. A minha, incomparavelmente mais modesta, foi provar as sensações que uma curta viagem solitária pode despertar: de liberdade, ao rodar livremente por belas estradas interioranas; de prazer sensorial, com as comidas e bebidas típicas; de camaradagem, pelos encontros inusitados e trocas de experiências com outros viajantes e com os locais; de pertencimento, ao circular por vilas e comunas com tanta identificação com nossa história; de deslumbramento, pelas construções, monumentos e paisagens singulares; de descoberta, pela oportunidade do achado literário chamado Miguel Torga; e, finalmente, de reverência ao grande navegador das letras portuguesas José Saramago.
Lisboa estava cinzenta neste final de manhã de abril. Uma persistente garoa incomodava o deslocamento e encontrar o acesso para a ponte 25 de Abril - que cruza o Tejo – sem a providencial orientação de um GPS foi um pouco confuso.
Ainda tentando me acostumar com as parafernálias eletrônicas da motocicleta, que muitas vezes tiram o prazer da pilotagem, rodei alguns quilômetros na direção Sul pela A2 até localizar o entroncamento com a estrada provincial e a indicação para o “Cabo Espichel”.
Estes primeiros quilômetros com a pista molhada não foram exatamente prazerosos. Uma leve tensão – típica do primeiro contato com a nova máquina – provocou certa rigidez nos movimentos, exigindo cuidados redobrados na pilotagem. Aos poucos a condução foi ficando mais relaxada e, antes de cumprir metade do percurso até o Espichel, já estava quase íntimo da motocicleta.
O caminho se desenvolveu cruzando pequenas vilas de pescadores, todas muito rústicas e mais que centenárias, até chegar ao promontório onde se localiza o Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel. Os últimos quilômetros foram percorridos em estrada de areião, bem consolidada e com poças de água da chuva recente, que deram um certo ar de aventura a esta peregrinação do dia.
* Fotos do "Cabo Espichel" / Santuário de Nossa Senhora do Cabo.
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Um comentário:
Ler teu texto é viajar contigo, sentir a garoa e o vento, enchendo os olhos e a alma com tuas descobertas ! Deveria repensar a carreira.
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